Encontro sobre Saúde Mental do Trabalhador Bancário exalta a importância da atenção aos colegas

O Sindicato dos Bancários de Santa Maria e Região realizou, na noite desta quinta-feira (21), no Hotel Morotin, o Encontro de Saúde Mental do Trabalhador Bancário – A prevenção é a solução: A Saúde em Primeiro Lugar. O evento contou com a exibição do documentário “Além do Limite: quando a meta é sobreviver”, dirigido pelo jornalista Marcelo Monteiro, que participou de uma roda de conversa com os bancários.

Monteiro concedeu uma entrevista ao Sindicato, no qual relata como percebeu que estava com depressão, a necessidade de buscar um tratamento e como o problema vem sendo tratado entre os bancários. Ele também destaca a importância de dar atenção aos colegas a fim de evitar uma tragédia.

Confira:

Marcelo, sabemos que a ideia do documentário surgiu a partir do momento que você teve depressão. Como foi que você descobriu que estava com o problema?
Em 2015, eu trabalhava em um jornal de grande circulação em Porto Alegre e, de um dia para outro, eu comecei a perceber várias mudanças no meu comportamento. Não conseguia dormir direito, não tinha mais fome, acordava duas, três, quatro vezes durante a madrugada. Na maioria das vezes não conseguia dormir de novo. Comecei a perder o prazer nas coisas, prazer de comer, de tomar banho, de levantar para viver, caminhar, conversar, encontrar os amigos. Meio que percebi que eu me transformei numa outra pessoa. Eu estava muito estranho e essas coisas foram se sucedendo. Com o tempo eu percebi que eu estava pensando em morrer. De repente, eu, um cara extremamente sociável, de convívio com os amigos, de receber os amigos em casa, me isolei, não conseguia mais sair da cama, não conseguia mais comer direito, não tinha mais prazer em ouvir música, que é um dos grandes prazeres da minha vida e estava pensando em morrer. Quando veio esse pensamento na minha cabeça me caiu uma ficha que tinha algo muito estranho acontecendo comigo. Foi aí que eu resolvi buscar ajuda, porque como eu falei, as coisas parecem não terem conexão, mas elas estão conectadas. Começou a apresentar um sintoma e outro, quando eu vi eu estava nessa avalanche de coisas ruins. Eu resolvi buscar ajuda quando veio o primeiro pensamento suicida. Acho que foi então que acendeu o alerta, que eu vi que tinha algo de muito errado.

Por que é fundamental buscar um tratamento já que você esteve nessa condição?
A pessoa quando está com depressão, com ansiedade ou com algum distúrbio mental, ela não percebe. Esses transtornos mentais mexem muito com a pessoa, retiram-na do centro e não consegue talvez nem raciocinar direito, não consegue entender a situação em que ela se encontra e sai completamente do eixo. Então, é muito importante que outra pessoa olhe para ela e diga “olha, você está muito estranho, não estou reconhecendo você”. A pessoa não consegue notar isso às vezes. No meu caso, por exemplo, eu tive esse tino de ver que não estava tendo um raciocínio natural, de querer morrer. Mas há pessoas que não conseguem notar de tão atordoadas que elas ficam. É importante que a pessoa se vigie, cuide de seus pensamentos. Se observar eventuais mudanças de comportamento, sentimentos que nunca teve, esse tipo de sensação, de sentimento estranho, deve acender um alerta e ficar ligado, tentar procurar ajuda se for o caso.

A categoria bancária, historicamente, sofre com metas absurdas, ameaças de descomissionamento e assédio moral. É comum vermos bancários se afastando do trabalho por questões de saúde. Porém, muitos relutam em buscar ajuda, como mostra o documentário. Por que a saúde mental é tão negligenciada?
Existe um grande tabu na sociedade de falar sobre problemas de saúde mental. Ao mesmo tempo que a depressão se tornou o grande mal do século 21, muita gente ainda tem medo de falar sobre isso. Por exemplo, um profissional que assume ter um distúrbio mental no trabalho, ele passa a ser segregado, passa a ser discriminado, passa a ser deixado de lado. Ele perde uma promoção, vai ser o último a ser ouvido. Então, o problema mental é diferente de uma fratura em um braço que todo mundo vai ver a pessoa engessada ou um transplante de coração que vai ter um exame para mostrar. O distúrbio mental só é detectável por meio de um diagnóstico, de um psiquiatra ou de um psicólogo, é uma coisa que é intangível, só quem vai entender esse quadro pelo qual o paciente está passando é um profissional. Muitos colegas acham que o cara está se fazendo de vítima, está inventando história e, na verdade, a pessoa está no inferno astral e esse quadro todo é que acaba resultando em suicídio porque a pessoa está vivendo um inferno interno e, ao mesmo tempo, ela não tem apoio de ninguém de fora, do chefe que segue cobrando, do colega que não entende. Esse conjunto todo de coisas no momento que a pessoa mais precisa de apoio, ela não tem. E aí ela acaba apelando para os extremos. Por isso que eu acho importante a gente falar. Eu tenho percebido que a sociedade tem falado, tem discutido mais o assunto, mas ainda temos muito a trilhar nesse caminho.

Há pesquisas que revelam uma alta taxa de suicídio na categoria bancária. Após produzir o documentário e entrar a fundo neste problema, o que você considera que é preciso mudar com urgência no segmento bancário e qual é o papel dos sindicatos?
Primeiro, o papel do Sindicato é dar esse suporte. Eu acho que é a primeira linha de apoio além dos colegas imediatos de quem está na linha de frente, que está passando por um problema de saúde desse tipo. O Sindicato é a primeira estrutura de apoio que o profissional pode contar e eu acho que deve recorrer. Acredito que falta melhora essa situação no ambiente bancário, eu acho que a questão das metas é uma coisa muito ruim, que veio não de hoje, mas se transformou em um verdadeiro terror. E não só na categoria bancária, a gente sabe que no comércio é a mesma coisa e em outras áreas de indústria tem metas de produtividade. Isso acaba fazendo com que o profissional trabalhe tenso, sempre com a corda esticada e até tem alguns relatos de pessoas que, por exemplo, têm de madrugar, acordar às 6h da manhã pensando em como vão fazer para conseguir atingir a meta no outro dia. Não é uma prática saudável. Eu acho que é parte do trabalho do Sindicato levantar esse debate, mas eu acho que os bancos também têm que abrir seu olhar para isso porque no longo prazo, ainda que o sistema de meta seja positivo para eles do ponto de vista financeiro, daqui a pouco não vai ter mais ninguém querendo trabalhar no banco, de tanto que está o nível de insalubridade. Os bancos, para o seu próprio bem, têm que olhar para isso com maior atenção.

Como está sendo a receptividade do documentário na categoria?
O que acontece nas exibições que eu participei do documentário é que as pessoas têm uma identificação muito grande porque são situações cotidianas, extremas que as pessoas relatam ter chegado. Algumas tentaram suicídio e não conseguiram, outras estiveram no limiar de tentar. E as situações que levaram elas a esse extremo são situações corriqueiras na vida de todo bancário. Então, o bancário que assistiu hoje esse documentário vai sair impactado, com certeza vai sim se identificar e, talvez esteja aqui alguém que consiga despertar um alerta interno para ver que está indo para o caminho ruim. Acho que esse é o objetivo do documentário, salvar vidas. Acho que o documentário está sendo bem recebido nesse sentido.

E pelos profissionais e pelos psicólogos, tem algum retorno?
Por debates anteriores com profissionais, eles relatam que acham importante falar sobre o tema. Eu defendo isso desde quando eu tive a depressão. Inclusive, eu acho que a minha carreira foi prejudicada um pouco por ter falado, porque eu fiz um relato muito extenso no maior jornal do Rio Grande do Sul, só que ao mesmo tempo eu fechei algumas portas profissionais e, tempo depois, eu fui demitido. Mesmo assim, não me arrependo, eu acho que a gente tem que falar, eu acho que botar para baixo do tapete não vai resolver o problema, só vai tornar mais grave e vai acabar gerando novos casos. A gente tem que fazer falar para que pessoas se sintam confortáveis, para quando estiverem passando por um momento desses pedir ajuda e não se esconder ou tentar suicídio.

Um último recado que você deixaria para todos os bancários, para todas as pessoas que passam por esse momento, mas que não conseguem perceber.
Em primeiro lugar, se cuidem, observem, percebam se algo estranho está acontecendo e busquem ajuda. Conversem com seus colegas. Em relação aos colegas, estejam atentos porque muita gente com quem eu conversei depois se lamenta assim “poxa, a gente viu o cara se transformar, não fizemos nada e um belo dia o cara se matou dentro do cofre do banco”. Então, tem que fazer alguma coisa enquanto é possível fazer, depois que aconteceu uma tragédia não adianta. Vamos nos ajudar, eu acho que é assim que a gente vai conseguir construir uma sociedade melhor.

 

Maiquel Rosauro e Anderson Puiatti
Sindicato dos Bancários de Santa Maria e Região

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