Bela droga

E lá se vão mais de vinte dias de greve. Uma época de incertezas, de reflexões e de contradições.

De um lado a frente de batalha, de outro os que por medos, indiferença ou interesses adversos furam o movimento.

Ainda de outro lado mesmo, a empresa que quer que a gente se curve e aceite o destino inglório, de nos contentarmos com o que é oferecido e não com o que é desejado.

Ninguém sabe o que se passa dentro da cabeça dos outros, por isso não sabemos o que cada uma das personagens dessa história pensa. Conto apenas o que se passa dentro de minha cabeça.

Ninguém imagina, mas no fundo sou um CDF, sempre fui se não o melhor, um dos melhores alunos onde estudei. Tenho uma mania de perfeição danada, e por isso mesmo, para mim, abandonar o serviço e fazer greve é um esforço enorme. É como abandonar o mundo organizado, onde se trabalha, se é útil, se resolve os problemas e passar para a berlinda da humanidade.

Na berlinda, na margem, estão várias pessoas, algumas por que nunca tiveram oportunidades, outras por que sabem que merecem mais do que lhes é destinado, e lutam por isso.

O nosso atual presidente da república, o Lula, é um desses caras. Liderava greves de metalúrgicos em uma época em que ainda éramos obrigados a marchar a força no 7 de Setembro. Sempre foi um brigão ranzinza, mal encarado, um “sapo barbudo” como dizia o Brizola (que era outro ranzinza, por sinal).

O Lula passou por uma metamorfose impressionante que foi do “sapo barbudo” da época de 1989 (quando o Collor ganhou as eleições), até o “Lulinha paz e amor” que virou presidente da república. Ele alterou muito mais do que a sua aparência, aparando a barba e usando ternos finos, ele melhorou a sua dicção (que ainda não é grande coisa), ele estudou e, principalmente, aperfeiçoou o seu grande dom que é o de seduzir as pessoas.

Se vocês duvidam de mim, ouçam o Obama que disse que ele “é o cara”.

Olha que não sou que nem o Diogo Mainardi, que quer ver o Diabo na frente ao invés do Lula, mas toda a unanimidade é burra, e o Lula está quase virando uma unanimidade por essas bandas.

O cara é um fenômeno de boa imagem, os seus amigos Dirceu, Genuíno e Cia, são pegos com a mão na cumbuca, o ibope do Lula sobe, crise mundial, problemas diversos, o ibope do Lula sobe. Ele faz bobagem, diz besteiras, gasta absurdos de dinheiro no cartão corporativo, apóia o Sarney em suas safadezas, e o ibope do Lula continua subindo.

Imagino que não exista o que ele possa fazer para que sua imagem seja maculada, ou que imaginem que ele não seja essa maravilha que o Obama acha que ele é.

Muitos dos seus amigos de “esquerda” ainda ficaram na liderança de sindicatos, de movimentos, do MST, entre outras coisas, creio que esses antigos amigos não se sintam muito à vontade em fazer críticas ao Lula e à sua turma mesmo ao verem que o “Lulinha paz e amor” tem novas práticas, novos amiguinhos que antigamente eram desafetos.

O Lulinha paz e amor é o amiguinho de todo o mundo, por causa disto, muitos dos velhos amiguinhos de luta já o abandonaram e foram para outros partidos (Heloísa Helena, Marina), outros também foram abandonados por ele (Olívio Dutra), existem ainda aqueles que nunca deixaram de ser seus amiguinhos, mas que não andam perto dele pra não comprometerem sua imagem (Dirceu, José Genuíno, Antonio Palocci).

Pois é, nesse cenário Lulístico, acontecem coisas estranhas, o Banco do Brasil por exemplo, faz uma greve pouco incisiva e ganha 3% a mais (9% no total) de aumento e uma PLR generosa, a Caixa, não.

Fico me perguntando quais seriam os “interésses” (como diria o Brizola) existentes por trás disto, ou seja, por que tratar o BB, como primo rico e a Caixa como prima pobre?

Poderíamos pensar, por exemplo, que os clientes do BB que são fazendeiros ricos (deve ter pobres também), não podem ficar sem o atendimento do BB e por isso o governo deu jeito logo de acabar com a greve no BB, no entanto os clientes da Caixa são de outra estirpe, são o povão, propriamente dito, clientes do bolsa família, seguro desemprego, PIS, gente que perdeu o emprego e precisa retirar o FGTS, gente que precisa financiar seu imóvel, clientes com contas populares, etc… Sei que não é somente gente pobre que é cliente da Caixa, mas o nicho de mercado, com certeza é outro. Aí me pergunto se o Lula, que teoricamente defende os pobres, que disse em seu discurso de posse que não queria que sequer um brasileiro não tivesse pelo menos um prato de feijão pra comer por dia, se ele não se esqueceu um pouco do seu discurso.

Será que a greve na Caixa, que atende o povão não tem grande importância? Se formos ver a atenção dada às negociações pela diretoria da Caixa temos essa nítida impressão. Parece que eles não querem nem saber de nada, que estão indiferentes ao movimento de paralisação.

Vinte dias de greve e nada, “os pobres que se expludam” como diria o Justo Veríssimo (do Chico Anísio).

A quem seria interessante uma greve longa da Caixa? Suponho que aos bancos privados que poderiam abocanhar uma fatia do mercado ocupado pela mesma, seriam esses os interesses escusos em jogo? Não podemos acusar, afinal não temos provas, mas que podemos suspeitar, acho que podemos sim.

Agora, como golpe de misericórdia, vem a notícia de ajuizamento da greve, a solicitação da Caixa para que a mesma fosse considerada abusiva (o TST já respondeu que não é). Me lembro que o ajuizamento era uma prática comum no governo do FHC, uma vez que os juízes pareciam ter uma certa simpatia pelos patrões e davam somente o mínimo possível de reajuste (ao contrário dos reajustes dos seus próprios salários).

Pois é, as velhas práticas, pouco democráticas e aparentemente avessas ao que o Lula pregava estão de volta.

Agora só nos resta ver se o TST ainda tem a velha simpatia pelos patrões de antigamente.

O pior é que, quem me vê assim criticando o Lula, deve achar que não acho que com ele as coisas melhoraram em relação a, por exemplo, a época do FHC, em que tínhamos um tratamento de choque, na base da porrada.

Devem achar que eu, talvez esteja defendendo que o Serra, ou aquela turma infeliz do PSDB seja algo de melhor para o Brasil, o que sinceramente não acredito.
O problema é que esperávamos mais do Lula e do PT e nos vemos enredados em problemas de uma nova ordem.
Nesse enredo todo, fica uma massa de pessoas lutando sem saber o que se passa lá pelos corredores de Brasília e quais interesses existem por lá.
Esse drama de ter que abandonar o serviço em forma de protesto, uma vez que abandonar os colegas em luta é algo que vai contra a própria consciência e, se o fizesse, provavelmente eu não conseguiria mais me olhar no espelho. No entanto também há essa vontade de não estar à margem da sociedade, de ser útil, de trabalhar e continuar sendo o mesmo velho CDF de sempre.

No entanto o que vemos é que passam os governos, mas que as práticas espúrias continuam sempre as mesmas, bela droga, esse contexto em que nos encontramos, provavelmente somos massa de manobra e não sabemos nem ao certo de quem, se fizermos greve atendemos aos “interésses” de uns, se não fizermos daí os “interésses” são de outros, o tio Briza morreu, mas sabia muito bem do que falava.

Rejo Vaz Friedrich, bancário

 

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