Cacofonias e Diferenças de Caixa

Ela vinha lânguida.
Surgia entre a locomotiva e a biblioteca. Girava a porta de segurança e rodava como uma criança num carrossel. Lépida ultrapassava a porta e seguia pelo hall de acesso aos caixas. Única, dava-se ao olhar dos vigilantes como as modelos dão-se às passarelas de um fashion-week.  Rósea, por esses e pelos demais olhares demais, continuava seu trajeto. Seguia em direção ao seu destino. Túrgida, lúbrica, cálida. Proparoxítona, era uma mulher acentuadamente proparoxítona.
Ele nem erguia as sobrancelhas, pois já a sentia no ar. O ar-condicionado parecia que direcionava sua fragrância ao olfato dele quando ela chegava. E ele se sentia um goleiro na hora do chute indefensável. O perfume vinha direto às suas narinas, chute de volante de contenção batendo pênalti;  por vezes o odor vinha flutuando no ar com o mesmo destino, como folha-seca, chute de Didi; vez por outra o aroma vinha em curva, chute de Nelinho, sempre na meta.  Metas? Esquecia das metas naquele respirar. Golaço.
Inebriado, a cada golfada de ar perfumoso, ele sentia também o bolso. Sim, o bolso. Porém nada a ver com qualquer proximidade sistêmica ou orgânica. Denotativa ou conotativamente sentia o bolso por já saber que naquele dia haveria de pagar uma diferença de caixa. Era assim sempre. Se quisessem saber os dias em que ela estivera na agência era só ver o extrato da conta de diferenças a menor do seu caixa.
Ela mexia os quadris e mexia com ele. E o pior de tudo: ela sabia disso. E por saber, era dona. E provocava. Muito além do meneio dos quadris, do olhar cálido, do pisar decidido, da voz rouca, sensual. Naquele dia ela decidira mostrar-se menos glamourosa, menos distante. Apelaria, seria baixa. Ele haveria de tirá-la do pedestal, vestal desobrigada; derrubá-la do andor, santa de barro; de arrancá-la do trono, rainha nua. Ela não queria ser a deusa da sua rua de um Silvio Caldas ou um Nelson Gonçalves. Ela queria que ele a tratasse qual o Agepê, qual um Wando? Jogá-la no solo, pegá-la no colo, fazê-la mulher… Resolvera apelar para acabar com qualquer possibilidade de manter aquele amor platônico que percebera não evoluir nunca para o venusiano, ou melhor, venéreo.
Ele sem erguer os olhos, pois o olfato lhe preenchia quase todos os sentidos, balbuciou:
– Boa tarde, em que posso…?
Nem acabou e ela já foi disparando à queima-roupa:
– Oi! Veja logo como está minha poupança. Quero ver se eu saco.
Sua entonação reforçou a cacofonia. Ele arregalou os olhos, ergueu as sobrancelhas respirou fundo, enrubesceu e, antes que esboçasse qualquer reação, ela disparou o tiro de misericórdia:
-… Ou você me recomenda investir nos fundos?

Naquele dia ela o deixou literalmente em palpos de aranha (conotação mais sexual pode não ser mera coincidência). Encontraram-se após o expediente e, cavalheiro apaixonado, não entrou em detalhes no dia seguinte. Todos o olhavam com verdadeira ponta de inveja e intensa curiosidade. Apesar da diferença de caixa do dia anterior.

Raul Giovani Cezar Maxwell, bancário

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

sete + 16 =